SINDGUARDA MACAÉ

Sobre a Luta Sindical

A história das lutas sindicais e da formação da classe trabalhadora remonta há pelo menos dois séculos. Não é possível falar da história de nosso sindicato sem relacionar esta, a todo histórico de lutas que ocorreram e foram travadas por milhares ou milhões de trabalhadores antes de nós.

As lutas sindicais e a formação dos sindicatos representaram, no período denominado pelo historiador britânico Eric Hobsbawn, como a “Era das Revoluções” (1789-1848), um momento de enorme desenvolvimento da consciência de classe proletária frente ao sistema capitalista, que até então se encontrava em sua maioria dispersa, sem saber como se posicionar diante de tão nefasto sistema de exploração dos trabalhadores.

Na análise do período acima citado, e para entender as revoltas da classe trabalhadora naquele momento, o Historiador Ricardo Antunes nos diz que, “o emprego da força mecânica e das máquinas nos novos ramos industriais, assim como a utilização de máquinas mais avançadas em ramos mecanizados, deixaram sem trabalho um grande número de operários”.

Ainda segundo Antunes, esse grande número de desempregados serviu para fortalecer o sistema capitalista, que em sua lógica de maximização dos lucros, poderia baixar ainda mais os salários, já que não faltariam braços de reposição para sua empresa na longa fila do desemprego.

Haveria por parte da classe dominante um total descaso com relação a miséria em que foram lançados os mais pobres. Segundo Hobsbawm, a sociedade burguesa “estava de mãos dadas com a desumanidade” (Hobsbawm, 2009, p.321).

Hobsbawm nos conta que

“havia muitos pobres que, diante da catástrofe social que não conseguiam compreender, empobrecidos, explorados, jogados em cortiços, onde se misturavam o frio e a imundice, ou nos extensos complexos de aldeias industriais de pequena escala, mergulhavam na total desmoralização, em que famílias penhoravam a cada semana seus cobertores até o dia do pagamento, e em que álcool era a maneira mais rápida para sair de Manchester. O alcoolismo em massa, companheiro quase invariável de uma industrialização e de uma urbanização bruscas e incontroláveis, disseminou uma peste de embriaguez em toda a Europa”. (Hobsbawm, 2009, p.323).

Será neste contexto de exploração e miséria extrema, que irão surgir os movimentos de trabalhadores organizados que darão alguns passos no caminho da formação dos sindicatos de classe. Continuando com Hobsbawm, a situação dos trabalhadores neste momento era tal que, a rebelião era não somente possível, mas virtualmente compulsória. Nada foi mais inevitável na primeira metade do século XIX do que o aparecimento dos movimentos trabalhista e socialista, assim como a intranquilidade revolucionária das massas.

A distância social entre ricos e pobres nunca fora tão grande quanto após o advento do capitalismo. Só a título de comparação, em um mesmo período, em uma mesma cidade, enquanto que a baronesa de Rothschild usou em uma festa um milhão e meio de francos em jóias, outras duas jovens famintas disputavam na rua um pedaço de pão, que segundo John Bright, se estivesse coberto de lama, elas comeriam assim mesmo. (Hobsbawm, op. cit, p.328).

Para Hobsbawm, o movimento operário proporcionou uma resposta ao grito do homem pobre. Segundo este historiador, o verdadeiramente novo no movimento operário do princípio do século XIX, foi a consciência de classe e a ambição de classe. “uma classe específica, a classe operária, trabalhadores ou proletariado, enfrentava a dos patrões ou capitalistas”.

Será a partir deste momento que começaram na Grã Bretanha as tentativas de se unir os trabalhadores dispersos em sindicatos gerais, em entidades que pudessem superar o isolamento e unir todos os trabalhadores em prol da melhoria de suas condições de vida.

Uma das táticas que começam a ganhar maior espaço entre as massas, como tática de luta, eram as greves gerais, que para o movimento cartista, era um método político.
/

A experiência que a classe trabalhadora conquistou neste momento de lutas, “dava aos trabalhadores pobres as maiores instituições para sua autodefesa diária, o sindicato e a sociedade de auxílio mútuo”. (Hobsbawm, op. cit p. 335).

Atravessando o oceano e avançando em quase um século, chegaremos ao alvorecer do século XX e ao Brasil. Trata-se de um momento em que a classe trabalhadora, que era negra e escravizada, que fora sequestrada no continente africano, e depois vendida pelas classes dominantes da África as classes dominantes da Europa, agora não mais serviam. Agora, as lavouras deverão ser ocupadas por mão brancas, em uma tentativa de apagar o passado negro do país, europeizar e embranquecer o Brasil.

A chegada destes novos trabalhadores europeus, já com uma bagagem de lutas de quase cem anos na Europa, fará com que no Brasil inúmeras greves ocorram, sempre lideradas por trabalhadores ligados aos movimentos anarquista e comunista.

Na maior parte delas, as bandeiras de lutas eram praticamente as mesmas: igualdade das mulheres diante dos homens; que crianças menores de 12 anos não fossem obrigadas a trabalhar; jornada de 8 horas de trabalho; descanso semanal remunerado. Mas aqui, irão encontrar toda a resistência de uma sociedade de escravocratas que ainda viam os trabalhadores mais pobres como coisas.

Desde seu nascimento, os sindicatos mostraram-se fundamentais para o avanço das lutas operárias. A medida em que o sistema capitalista avançava e junto dele a exploração da classe trabalhadora, os sindicatos também avançavam.

Lenin em “Que Fazer?”, demonstrou que o movimento sindical, quando totalmente isolado das demais lutas de toda a sociedade, acaba incorrendo numa atuação demasiadamente economicista”.

Segundo Ricardo Antunes, “os sindicatos tornaram-se indispensáveis para o desenvolvimento da classe operária nos primórdios do capitalismo e mesmo na sua fase atual, dominada pelo imperialismo”.

Antunes nos conta que a primeira greve ocorrida no Brasil foi no ano de 1858, quando tipógrafos do Rio de Janeiro se rebelaram contra a exploração dos patrões e paralisaram as atividades em busca de aumentos salariais. Estes tipógrafos obtiveram êxito em sua luta, e este fato incentivou outras categorias a ver na greve e na organização de classe, um instrumento para se alcançar direitos.

Em 1892 ocorre no Brasil o primeiro Congresso Socialista, que tinha como objetivo construir um partido socialista brasileiro. Trata-se do momento em que as ideias de Marx e Engels começam a penetrar no Brasil, e será dentro deste contexto que teremos o surgimento dos primeiros sindicatos de representação da classe trabalhador no país.

Após a derrubada do governo imperial em 1889, teremos o surgimento do período conhecido como primeira república ou república velha, que durou de 1889 a 1930, e que foi um momento de intensas lutas dos sindicatos e das classes trabalhadoras.

Foram inúmeras greves e confrontos entre a classe dominante e a classe trabalhadora que buscava direitos trabalhistas até então inexistentes. Só para termos uma ideia, o governo de Artur Bernardes passou 4 anos de seu governo em Estado de sítio. (Schwarcz e Starling, 2015, p.351).

Schwarcz e Starling relatam que a década de 1920 foi um período de forte repressão policial sobre a classe trabalhadora e os sindicatos, o que fez com que essa instituição ficasse muito enfraquecida nesta época. Há uma frase atribuída ao Ex presidente Washington Luís, que teria dito que “questões sociais eram caso de polícia”, e que exemplifica muito bem este momento e como eram tratados os mais pobres e os trabalhadores.

Com a chegada de Vargas ao poder em 1930, houve uma tentativa de se controlar esta classe trabalhadora e o seu principal instrumento de luta: os sindicatos. Vargas buscou trazer para dentro do Estado os sindicatos, facilitando assim o seu controle. Tudo passaria a estar sob o olhar atento do Estado, e de um Estado autoritário como o de Vargas a partir de 1930.

Diferentemente daquilo que se divulga pela mídia liberal monopolista, as conquistas trabalhistas não foram fruto de uma concessão, uma benesse do Estado Varguista, mas sim de intensas lutas e greves que vinham ocorrendo com intensidade desde o início do século.

Vargas concede os direitos trabalhistas no intuito de acalmar a classe trabalhadora revolucionária e tentar trazer para seu lado boa parte dos trabalhadores, esvaziando desta forma, o movimento revolucionário.

Em seu governo foram conquistados inúmeros direitos trabalhistas, como a jornada de oito horas, a regulação do trabalho da mulher e do menor, a lei de férias, a instituição da carteira de trabalho, o direito a pensões e a aposentadoria, da mesma forma que perseguiu com enorme violência os comunistas, sufocou os esforços de organização da classe trabalhadora e enquadrou os sindicatos como órgão de colaboração do Estado, perseguindo qualquer um que não se sujeitasse a seu autoritarismo.(Schwarcz e Starling, 2015, p.362).

Nas décadas seguintes, o movimento sindical atingiu um período de enorme expansão, à medida que a classe operária brasileira dobrou de tamanho entre os anos 1940 e 1950(Antunes, p.68, 1980). Segundo Jover Telles, em 1953 se realizaram mais de 800 greves somente em São Paulo. Segundo Antunes, em todas estas greves a participação do Partido Comunista Brasileiro foi intensa, tornando-se a liderança mais significativa. (Antunes, p.69, 1980).

O avanço das lutas operárias chegará no início dos anos 1960 em seu ápice, tendo inclusive a realização do II Congresso Sindical Nacional sob o comando de uma única organização: o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).

Essa organização será, durante o governo Jango, a principal referência do sindicalismo brasileiro, tendo sido extremamente combativa, com atuações decisivas nas manifestações operárias em defesa das pautas trabalhistas.

Trata-se de um período de inúmeras greves em que a mobilização da classe trabalhadora buscava forçar os patrões a dialogar com os trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho e de salários dignos, além da ampliação dos direitos trabalhistas. Será neste período que teremos a greve dos 700 mil que se constituirá em uma das maiores manifestações da classe trabalhadora em toda a nossa História.

Na zona rural, já tínhamos desde a década de 1950 a luta das ligas camponesas, lideradas pelo grande líder Francisco Julião, que encabeçava a luta por direitos para os trabalhadores do campo.

Ricardo Antunes nos relata que a mobilização popular amedrontava cada vez mais as classes dirigentes exploradoras, os setores conservadores, a direita brasileira, que não tinha a menor intenção de melhorar as condições de vida dos trabalhadores. Para evitar avanços, fariam o que fosse necessário para não perder seus privilégios, sempre conquistados à custa de muito sangue e suor do trabalhador.

No dia 13 de março de 1964, no comício pelas reformas de base em frente à Central do Brasil, mais de 200 mil trabalhadores se aglomeraram para ouvir o presidente Jango e outras lideranças em favor da categoria. Era um momento de intensa mobilização, que de um lado tinham os trabalhadores, e do outro, nas palavras do jornalista Eduardo Bueno, organizando um complô, haviam líderes religiosos, empresários, o patronato rural, a classe média, principalmente do Rio e de São Paulo, junto dos militares com pautas em defesa de deus, da família, da pátria, contra o comunismo e contra a redução dos direitos dos trabalhadores.

E foi na madrugada de primeiro de abril, o dia da mentira, que os militares deram um golpe e tomaram a força o poder, tudo em defesa de interesses da classe dominante, tanto brasileira quanto dos EUA.

E em nome de um falso combate ao comunismo e da defesa da pátria, calaram as vozes que buscavam justiça social e uma sociedade mais justa. Teremos uma longa e trágica noite que durará 21 anos, em que milhares serão torturados e mortos nos porões da ditadura militar e outros irão desaparecer para sempre em cemitérios clandestinos ou serão jogados no fundo do mar pelas mãos dos criminosos militares.

Este foi um momento de intensa mobilização, em que a classe trabalhadora avançava na luta por seus direitos e na ampliação de sua consciência de classe. Mas o golpe militar de 1964 veio para perseguir e desmobilizar toda a categoria, esmagando toda a liderança sindical daquele momento.

Para o jornalista Carlos Chagas, o período da ditadura foi um momento de trevas, com perseguições a líderes sindicais e populares como o caso de Gregório Bezerra, que foi amarrado a um jipe do Exército e arrastado pelas ruas de Recife, obrigado a pisar em ácido de bateria misturado a cacos de vidro, fato este que destruiu a sola de seus pés. Era a tortura dando uma demonstração pública e um recado para qualquer um que lutasse por direitos e justiça social e ousasse questionar o status quo estabelecido.

Os anos seguintes serão de intensas perseguições aos trabalhadores, que terão seus sindicatos fechados e seus salários sendo esmagados ano após ano. Mesmo com o período do chamado milagre econômico, em que o país chegou a crescer quase 15% em 1973, os trabalhadores tiveram seus salários sempre reajustados abaixo da inflação, fato que acabou com o poder de compra da classe.

Mas a partir de 1973, o movimento sindicalista do ABC paulista irá desafiar a ditadura e promover novas mobilizações, deflagrando greves emblemáticas entre 1978 e 1979, nas quais mais de 300 mil metalúrgicos cruzaram os braços, tendo ao seu lado intelectuais de esquerda, as comunidades eclesiais de base da igreja católica, a pastoral da terra e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).

O período golpista militar que durou de 1964 a 1985, foi trágico para a classe trabalhadora. foram vinte e um anos com salários sendo achatados, com lideranças sindicais que protestavam pelo alto custo de vida sendo assassinadas pelo regime e os custos do desenvolvimento econômico do país sendo colocado nas costas dos trabalhadores.

Para entendermos um pouco melhor este período e as consequências para os trabalhadores, vejamos o relato do Historiador Marcos Napolitano, Doutor em História social pela USP.

Já em abril de 1964, o primeiro ministro de planejamento e coordenação econômica, Roberto Campos, resumia a política econômica do novo governo:” O processo costumeiro de revisão salarial, em proporção igual ou superior ao aumento do custo de vida, é incompatível com o objetivo de desinflação com desenvolvimento”.

De forma direta, o novo ministro esclarecia que a “antiga prática de aumentos salariais motivados por pressões dos sindicatos deveria ser revista”. (Napolitano, p.17). Os trabalhadores irão passar 21 anos sem reajustes salariais que mantivessem seus salários em acordo com os elevados aumentos do custo de vida.

Napolitano nos conta que além de anunciar que os trabalhadores iriam pagar a conta da nova politica econômica, também deixavam claro que não iriam controlar as reivindicações proletárias com diálogo. Seriam usadas intensamente a repressão policial e as intervenções nos sindicatos. Tanto as organizações dos trabalhadores do campo quanto as da cidade sofreram intervenções, e sob as acusações de serem subversivos e comunistas eram presos e mortos.

Só para se ter uma ideia, no ano de 1964, ano do golpe, mais de 400 sindicatos sofreram intervenções dos militares. No caso dos trabalhadores do campo e seus lideres rurais, a repressão ficou por conta dos “coronéis”, “que na maioria dos casos, significou a tortura e a morte, especialmente nos estados do nordeste”. (Napolitano, p. 18).

Além de toda esta perseguição aos sindicatos e a suas lideranças, outro fator que dificultava a vida da população era a inflação, que somente crescia durante os anos de chumbo. Só para termos uma ideia, em 1983 chegara à assustadora cifra de 211% ao ano. E este número ainda iria aumentar nos anos seguintes.

Aliado a isso, a população tinha de conviver em silêncio com os escândalos de corrupção que assolavam os governos militares, mas que devido a ditadura e sua política de morte eram abafados e sonegados pela mídia. Heloisa Sterling e Lilia Schwarcz citam os escândalos do grupo Delfin, o desvio de dinheiro público para o conglomerado financeiro Coroa-Brastel, e as irregularidades no pagamento de uma divida do país com a Polônia em que funcionários do governo teriam se beneficiado de propina. (Sterling, Schwarcz, 2015, p.483).

Foram anos de intensas lutas, de inúmeras perdas de vidas humanas, de direitos, de poder econômico (para os mais pobres), de aumento da riqueza (para os já anteriormente ricos), da desigualdade, e também da destruição dos sindicatos e de suas lideranças.

O processo de abertura e de retorno a democracia percorrerá um longo caminho, e mesmo dentro do processo democrático, as dificuldades para os sindicatos e para a classe trabalhadora irão permanecer. Mas abordaremos este assunto em um próximo texto.

BIBLIOGRAFIA

ANTUNES, Ricardo. O que é Sindicalismo. Ed. Brasiliense, São Paulo, 1980.
BUENO, Eduardo. Brasil, Uma História. Rio de Janeiro, Leya, 2012.
Arquidiocese de São Paulo. Brasil Nunca Mais. Editora Vozes,1985.
CHAGAS, Carlos. A Ditadura Militar e a Longa Noite dos Generais. Rio de Janeiro, Record, 2015.
HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. São Paulo, Paz e Terra, 2009.
NAPOLITANO, Marcos. O Regime Militar Brasileiro. 1964-1985. São Paulo, Ed. Atual, 1988.
SCHWARCZ, Lilia. STARLING M, Heloisa. Brasil: Uma Biografia. São Paulo, 2015, Companhia das Letras.
Singer, Paul. A Formação da Classe Operária. Editora Atual,1994, São Paulo.